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Porque renda é uma informação difícil de controlar em pesquisas de opinião?


Neste post discutiremos porque renda é uma informação complicada de se utilizar para controlar e ajustar vieses numa pesquisa de opinião pública.

Introdução

Estimar o rendimento de pessoas em pesquisas de opinião pública é um processo complexo, por questões de definição e de mensuração da renda. Mesmo em situações mais simples pode ser difícil calcular renda por causa da existência de diferentes fontes e tipos de renda, como renda individual, familiar e/ou domiciliar, e proveniente de 1 ou mais trabalhos, aluguéis, investimentos, tickets de alimentação, programas sociais, bolsas de estudos, entre outros.

Também existe a necessidade de se definir um período de referência para o rendimento sendo declarado, de forma a especificar se o interesse reside no rendimento típico (habitual) ou no do período mais recente (efetivo). Além disso, num país com as nuances regionais do Brasil, essa questão pode ser ainda mais complexa, por causa do trabalho informal e do pagamento de salários com bens materiais.

Some-se a isso a tendência que as pessoas têm de não divulgar o seu rendimento, seja não respondendo a pergunta ou mentido sobre o quanto ganha, além do possível desconhecimento do rendimento de outras pessoas da residência, e temos uma receita extremamente difícil de ser executada com sucesso.

O objetivo desse relatório é explicar, com alguns detalhes, as dificuldades e os “best-practices” no que se refere a estimativa de renda em pesquisas de opinião pública e no uso dessa informação para melhorar a eficiência dos resultados obtidos em uma pesquisa.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua

A fonte oficial de estatísticas sobre renda e trabalho mais precisa, completa e atual do Brasil é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), realizada pelo IBGE. O objetivo da PNADc, de acordo com o site do IBGE, é “acompanhar as flutuações trimestrais e a evolução, no curto, médio e longo prazos, da força de trabalho, e outras informações necessárias para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do País. Para atender a tais objetivos, a pesquisa foi planejada para produzir indicadores trimestrais sobre a força de trabalho e indicadores anuais sobre temas suplementares permanentes”.

No que diz respeito a renda do Brasileiro, trimestralmente são divulgadas informações apenas sobre os rendimentos individuais provenientes de todos os trabalhos dos respondentes, para todos os níveis analíticos da PNADc. Porém, tradicionalmente, pesquisas de opinião-pública se interessam pela renda familiar (ou domiciliar) de todas as fontes do respondente, informação essa que é divulgada pelo IBGE com menor frequência. Como exemplo, as informações disponíveis sobre renda individual (de todos os trabalhos) mais recentes são do 4º trimestre de 2021, porém para o caso da renda familiar (de todas as fontes), a informação mais recente é de 2020 (5ª visita).

O interesse pela renda familiar ocorre porque ela é uma melhor medida da classe social de uma pessoa do que a renda individual, pelo simples fato de que moradores de um domicílio de classe alta podem ter um salário baixo não compatível com a sua classe, seja por que é jovem, ou está começando sua carreira ou porque vive de renda não proveniente do seu trabalho, entre outros motivos.

Além das diferentes fontes de renda, a distinção entre renda individual, familiar e domiciliar é importante. A renda individual é auto explicativa, porém a distinção entre renda familiar e domiciliar não é tão óbvia. Na PNADc, por exemplo, não é definida uma renda familiar, apenas variações da renda domiciliar. No geral, a distinção entre renda familiar e domiciliar é mais relevante em domicílios classificados como Estendidos ou Compostos, pois nesses casos existem moradores que não têm laços de parentesco com outros moradores. Mais detalhes sobre os diferentes tipo de domicílios podem ser encontrados nas notas técnicas da PNADc.

Do ponto de vista de mensuração da renda, quando o próprio respondente é entrevistado, a renda individual é a informação de renda mais confiável, pois é exigido que o respondente tenha conhecimento de informações que dizem respeito a si mesmo. Porém se um morador tem que responder perguntas relativas ao rendimento de outros membros da família, a chance dele desconhecer ou cometer erros sobre algumas informações pode ser grande. Mais ainda se forem sobre moradores do domicílio que não pertencem a mesma família.

No caso da PNADc, como todos os moradores do domicílio são entrevistados, é relativamente fácil agregar todas as rendas individuais para calcular a renda familiar sem aumentar o erro de mensuração. Porém as pesquisas eleitorais geralmente não têm tempo e/ou dinheiro para realizar uma mensuração tão precisa, então usualmente apenas um morador da casa é entrevistado, fato que provavelmente aumenta consideravelmente o erro de mensuração desse respondente ao declarar a renda familiar ou domiciliar. Mais ainda se o interesse é na renda efetiva do período de referência e não na renda habitual.

Para conseguir mensurar a renda do respondente com detalhe e confiança, o questionário da PNADc é enorme, com dezenas de perguntas feitas com esse objetivo em mente. De fato, não é possível para uma pesquisa realizada com restrições de tempo e dinheiro conseguirem a mesma precisão, sem mencionar a disposição dos respondentes em responderem a uma pesquisas do IBGE versus a de uma instituto de pesquisa. Para ilustrar o nível de complexidade de se mensurar a renda, abaixo listamos todas as variáveis de renda divulgadas pela PNADc. Destacamos o item 10, que entendemos ser, das opções disponíveis, a melhor definição para Renda Familiar.

  • (1) Rendimento mensal habitual do trabalho principal para pessoas de 14 anos ou mais de idade (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias no trabalho principal)
  • (2) Rendimento mensal efetivo do trabalho principal para pessoas de 14 anos ou mais de idade (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias no trabalho principal)
  • (3) Rendimento mensal habitual de todos os trabalhos para pessoas de 14 anos ou mais de idade (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias em qualquer trabalho)
  • (4) Rendimento mensal efetivo de todos os trabalhos para pessoas de 14 anos ou mais de idade (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias em qualquer trabalho)
  • (5) Rendimento mensal efetivo de todas as fontes (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias em qualquer trabalho ou que receberam rendimentos em dinheiro de outras fontes)
  • (6) Rendimento recebido em todas as fontes (habitual de todos os trabalhos e efetivo de outras fontes) (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias em qualquer trabalho ou que receberam rendimentos em dinheiro de outras fontes)
  • (7) Rendimento efetivo recebido de programas sociais, seguro-desemprego, seguro-defeso, bolsa de estudos, rendimento de caderneta de poupança e outras aplicações financeiras
  • (8) Rendimento efetivo recebido de outras fontes
  • (9) Rendimento recebido em todas as fontes (habitual de todos os trabalhos e efetivo de outras fontes) (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos, mercadorias, cartão/tíquete transporte ou alimentação em qualquer trabalho ou que receberam rendimentos em dinheiro de outras fontes)
  • (10) Rendimento (efetivo) domiciliar (exclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (11) Rendimento (efetivo) domiciliar per capita (exclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (12) Rendimento (efetivo) domiciliar (inclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (13) Rendimento (efetivo) domiciliar per capita (inclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (14) Rendimento domiciliar (habitual de todos os trabalhos e efetivo de outras fontes)(exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (15) Rendimento domiciliar per capita (habitual de todos os trabalhos e efetivo de outras fontes)(exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (16) Rendimento domiciliar (habitual de todos os trabalhos e efetivo de outras fontes)(inclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • (17) Rendimento domiciliar per capita (habitual de todos os trabalhos e efetivo de outras fontes)(inclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)

Estimativas de renda de acordo com a PNAD 2020 - Visita 5

Na PNAD Contínua, cada domicílio da amostra é visitado uma única vez no trimestre e em cinco trimestres consecutivos. Esse esquema possibilita a divulgação de temas tanto em trimestres quanto em anos. Nos temas anuais isso é feito acumulando-se as informações de determinada visita obtidas ao longo do ano. Nesse link é possível ver quais informações são divulgadas em cada visita. Rendimento de outras fontes além do trabalho é publicado na Visita 1 e 5. Atualmente a informação mais recente é da Visita 5, de 2020.

A maioria das informações de renda na PNADc são classificadas em 2 tipos, efetiva ou habitual, definidas pelo IBGE como sendo:

  • Rendimento habitual - é o rendimento normalmente recebido pela pessoa pelo trabalho que tinha na semana de referência. Nesse sentido, a referência temporal é o próprio trimestre que está sendo divulgado.
  • Rendimentos efetivos - dizem respeito aos rendimentos recebidos, pelo seu trabalho ou por outras fontes, no mês anterior ao que foi realizada a coleta da pesquisa. Sendo assim, não coincidem o período de coleta e o período de referência. Portanto, o rendimento efetivo tem como referência o trimestre móvel anterior ao que está sendo divulgado.

Nesse estudo, consideramos que a renda efetiva é mais compatível com o a nossa pergunta de renda: “Somando a sua renda com a renda da(s) pessoa(s) que moram com você, considerando os ganhos de qualquer natureza, de quanto foi aproximadamente a renda familiar em sua casa no mês passado?”.

Perguntas de renda da Ipsos:

RF) Aproximadamente a renda mensal do seu domicílio? RF) O(a) Sr.(a) poderia me dizer qual é aproximadamente a renda mensal do seu domicílio, isto é, a soma da renda mensal de todos os membros do seu domicílio? (SE NÃO RESPONDER ESPONTANEAMENTE, LER FAIXAS DE RENDA) ” RP) Aproximadamente a sua renda mensal pessoal? RP) O(a) Sr.(a) poderia me dizer qual é aproximadamente a sua renda mensal pessoal? (SE NÃO RESPONDER ESPONTANEAMENTE, LER FAIXAS DE RENDA)”

Na tabela abaixo calculamos a distribuição de renda de acordo com os microdados dessa pesquisa. Mostramos as quatro versões de renda efetiva descritas abaixo, com o objetivo de facilitar o compreendimento das diferenças entre essas definições de renda. Entendemos que a renda mais similar aquela que é perguntada na nossa pesquisa seja a Renda Familiar (todas fontes).

  • Renda Individual (todos trabalhos) Rendimento mensal efetivo de todos os trabalhos para pessoas de 14 anos ou mais de idade (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias em qualquer trabalho)
  • Renda Individual (todas fontes) Rendimento mensal efetivo de todas as fontes (apenas para pessoas que receberam em dinheiro, produtos ou mercadorias em qualquer trabalho ou que receberam rendimentos em dinheiro de outras fontes)
  • Renda Familiar (todas fontes) Rendimento (efetivo) domiciliar (exclusive rendimentos em cartão/tíquete transporte ou alimentação) (exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico)
  • Renda Domiciliar (todas fontes) A soma da Renda Individual (todas fontes) de todos os moradores do domicílio.

Ponderação por renda familiar

Na ponderação usual das pesquisas presenciais da FSB, ajustamos os resultados por sexo, idade, escolaridade e pertencimento ou não a força de trabalho dentro de cada região, de forma a corrigir viéses que podem ocorrer durante a coleta de dados. O intuíto desse estudo é adicionar a variável de Renda Familiar (todas fontes) as variáveis de ponderação, para avaliar o impacto desse ajuste na intenção de voto estimado. É importante ressaltar que o nosso padrão não é incluir renda como variável de ponderação por causa de todas as dificuldades mencionadas anteriormente. Também é interessante mencionar que durante a seleção da amostra, a renda média do responsável pelo setor censitário é controlada, porém esse controle é efetivo apenas nas cidades com mais de um setor censitário (usualmente as capitais) e que a referência da informação de renda do setor censitário é do Censo de 2010.

Na tabela abaixo apresentamos três resultados da distribuição de renda da pesquisa: sem ponderação, ponderado apenas pelas variáveis usuais (Peso original) e adicionando-se renda a essas variáveis (Peso Renda). Como referência, também mostramos a Renda Familiar (todas fontes) para que seja possível comparar os resultados com o benchmark definido na seção anterior. As pequenas variações que podem ser percebidas nas faixas de renda mais alta se compararmos a ponderação com renda e o benchmark ocorrem porque não temos respostas suficientes para ajustar essas faixas de renda individualmente, sendo assim para a ponderação as duas faixas mais altas foram agrupadas.

Na tabela abaixo comparamos o impactos das diferentes opções de ponderação na intenção de voto estimulada (1º e 2º turno). Retiramos os votos não-válidos da tabela para facilitar a visualização, porém eles foram mantidos para o calculo dos percentuais.


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